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Bolsonaro na Veja: o militarista, corporativista e antiliberal de sempre, independente do ministro

Após Jair Bolsonaro anunciar, em evento da Veja, que indicaria o liberal Paulo Guedes como Ministro da Fazenda, muitos apoiadores do deputado vieram questionar o ILISP, tradicional crítico do político nacionalista-estatista, sobre a nossa opinião. Desta forma, nada melhor do que analisar toda a entrevista para falar sobre o assunto.

Primeiramente, cabe elogiar a postura do entrevistador Augusto Nunes. Ao contrário do que outros entrevistadores fizeram (como no Canal Livre da Band, onde um terço do programa foi gasto com perguntas estúpidas como “quantas ministras você terá?”), Augusto utilizou boa parte do tempo com temas fora do combo “machista, racista, homofóbico, estuprador” e nos brindou com uma entrevista conduzida com qualidade superior, comparável somente à excelente entrevista feita por Danilo Gentili com Jair Bolsonaro. Ponto para Augusto Nunes.

Logo na primeira pergunta (“cite três qualidades que o diferenciam dos demais pré-candidatos à presidência”), o deputado mostra que não possui grandes argumentos para defender a si mesmo como melhor opção eleitoral. “Falar a verdade”, “ter Deus no coração” e “ser honesto” não são fatores de diferenciação. Afinal, algum candidato já disse em campanha que mente? Quantos segundos o tucano Geraldo Alckmin, católico fervoso, levaria para refutar o argumento de que somente Bolsonaro tem “Deus no coração”? E o que dizer dos 24 pré-candidatos que podem dizer que são honestos (por não terem condenações por corrupção na justiça)? Iremos esquecer que Lula – com quem Bolsonaro e seus fãs guardam muitas semelhanças – foi eleito em 2002 dizendo que “falava a verdade” e “era honesto”? Tais qualidades, supondo que o deputado realmente as possua, não são suficientes para diferenciá-lo de outros pré-candidatos.

Para justificar a escolha do liberal Paulo Guedes como Ministro da Fazenda, Bolsonaro afirma: “eu comecei a sondar o mercado (…) e busquei quem foi crítico no passado de planos econômicos (…) até mesmo do plano real”. Em duas conversas de oito horas, Paulo foi o escolhido por Bolsonaro como seu Ministro da Fazenda. As qualificações de Paulo Guedes para o cargo são claras, mas a própria entrevista (e a rapidez da escolha) mostram que esta é muito mais uma opção eleitoreira para tentar aplacar as críticas que o deputado recebe por ser nacionalista-estatista do que uma real convicção. Ou seja: apenas outro estágio da fabricação de um falso “liberal-conservador”, alcunha que não condiz com a trajetória política de Bolsonaro nem com as ideias que continua defendendo.

Detalhe: na cabeça de Bolsonaro, “nós temos uma dívida trilionária que hoje consome 500 bilhões por ano de juros”. Ou seja: os quase 27 anos vivendo às custas dos pagadores de impostos na Câmara não foram suficientes para o deputado federal entender que precisamos gerar superávit primário para pagar os juros da dívida – o que não acontece desde 2013 – e que os “500 bilhões por ano” são rolagem da dívida (nova dívida tomada para pagar a anterior), não o pagamento de juros. Não à toa Bolsonaro se iguala ao PSOL na defesa da “auditoria da dívida”, uma desculpa para um eventual calote.

Justificando sua oposição ao plano real – Bolsonaro foi o único que efetivamente votou contra o plano que acabou com a hiperinflação no Brasil; PT e PDT declararam obstrução – o deputado federal já contradiz a falsa “guinada liberal”: afirma que a inflação no período não foi incorporada como aumento salarial para os militares e, portanto, “agindo corporativamente, sim, agi corretamente no meu voto”. Ora, que liberal – ou mesmo conservador – poderia votar contra milhões de brasileiros em prol do corporativismo de uma classe de funcionários públicos e ainda afirmar que votou corretamente, mesmo admitindo que o plano “foi bem vindo”? Isto é coisa de sindicalista – aliás, foi justamente por ser um “sindicalista da caserna”, defensor corporativista dos militares, que ele chegou ao Congresso. Corporativismo é exatamente o oposto do liberalismo.

O pensamento corporativista em prol dos militares aparece novamente na argumentação contra a Reforma da Previdência. Para Jair, “se querem nos botar na previdência igual aos outros, nos dêem todos os direitos, inclusive o de greve”, uma declaração que poderia perfeitamente ter sido feita por um sindicalista da CUT. Por isto, Bolsonaro “manteria o sistema atual”, aquele que possui um déficit que pode chegar a 180 bilhões de reais somente em 2017, mudando o sistema somente “daqui para a frente”, mantendo o “direito adquirido” dos atuais servidores – cuja Previdência responde por boa parte do déficit da Previdência – e afundando ainda mais as contas públicas no buraco negro fiscal. A proposta de Bolsonaro de “acabar com as incorporações” no serviço público não resolve em nada o problema já criado, uma Reforma da Previdência, sim.

O corporativismo militar continua quando ele expõe sua ideia de composição dos ministérios caso seja eleito: 50% dos ministros seriam militares. Ministro da Defesa? Militar (“general de quatro estrelas”). Ministério da Educação? Militar. É a lógica tecnocrata militar: o problema não é a intervenção estatal na economia e na educação (que deveria ser responsabilidade dos pais e não do estado, na visão liberal), mas apenas a ausência de “gente técnica” para fazer “os ministérios funcionar”. A ditadura militar que nos legou uma imensa dívida pública e hiperinflação mostra como “funcionou” na prática.

Fim do foro privilegiado? Bolsonaro votaria contra porque “qualquer parlamentar processado em primeira instância vai ter um caminho muito longo a percorrer (…) até chegar” no STF, o faria com que as decisões finais sobre cada processo levassem “20, 25 anos” (se o STF mudar de posição sobre a prisão em segunda instância). Um levantamento feito pelo ILISP mostra o exato oposto: enquanto as condenações de não-políticos avançaram rapidamente na primeira instância (da Lava Jato, por exemplo), o STF condenou apenas 16 políticos em 27 anos e somente 2 estão presos atualmente.

Sobre a governabilidade em um eventual mandato, o político com a mentalidade “se o Kim Jong-un lançasse uma bomba H (…) que só atingisse o parlamento brasileiro, você acha que alguém iria chorar” (o que é ótimo para conseguir risos, aplausos e mais alguns votos, mas péssimo se você quer governar o país com apoio do Congresso) voltou a mostrar que não possuiria apoio parlamentar. “Conversar com bancadas” e “apresentar um pacote” não muda o fato de Bolsonaro ser candidato por um partido com 3 deputados federais (bancada que irá aumentar, mas continuará sendo minoritária na Câmara) e 0 senadores, o que provavelmente fará com que ele sequer vá para o segundo turno, dada a ausência de tempo de televisão e verba para campanha. O próprio parlamentar afirma, ao final da entrevista: “não tenho partido” (deve migrar para o PEN/Patriota, seu nono partido em 27 anos, em março de 2018), “não tenho bancada comigo, não tenho prefeitura comigo, eu não tenho ninguém comigo, tenho nada comigo; estou sozinho, sou o primo paupérrimo”.

O deputado federal aproveitou a ocasião para enfatizar também a importância do “voto impresso”, o único projeto que conseguiu aprovar em 27 anos no Congresso Nacional (o que mostra, uma vez mais, a ausência de apoio parlamentar que possui). O modelo de voto eletrônico com impressão – também conhecido como urna de segunda geração – é o mesmo utilizado em alguns estados dos Estados Unidos e na Venezuela, e é tão possível de ser fraudado quanto o sistema de votação atual, de primeira geração. Ou seja: ao contrário do que afirma o parlamentar, não resolve em nada o problema de eventuais fraudes contra o sistema eleitoral brasileiro.

Na questão de privatizações, Bolsonaro voltou a utilizar os mesmos chavões estatistas e antiliberais de sempre: “a China está comprando o Brasil” e “as terras agricultáveis” não podem ser vendidas para a China (ideia do governo Temer, em junho de 2016, foi alvo de críticas da esquerda similares às de Bolsonaro por prever a venda de terras para estrangeiros; a proposta não avançou, mas o deputado continua “combatendo-a”). Os falsos argumentos “não podemos privatizar porque a China irá comprar” e “devemos vender apenas para empresas nacionais / gente nossa” são a mesma retórica nacionalista e anti-privatizações adotada por partidos de esquerda como PT, PDT, PSOL, REDE e similares que compõem a “Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional”.

Aliás, não deixa de ser curioso como a lógica do deputado se transforma quando a questão é utilização de armas. Neste tema, Bolsonaro utiliza corretamente a lógica liberal para defender a autodefesa: “propriedade privada é sagrada ou não é; se não é, é do estado e já estamos no comunismo”. Entretanto, como mostra ao longo da entrevista também em outros temas, o deputado contraria esta lógica rapidamente. Para Bolsonaro, “policial que não mata não é policial” e deve ter “excludente de ilicitude” para poder atirar sem problemas legais. Ora, isto claramente contraria o direito à propriedade (do próprio corpo) e à vida de milhões de cidadãos que não fazem parte do estado. O sistema brasileiro que transformou “direito humanos” em “direitos dos manos” nas mãos da esquerda está longe de ser correto, mas a solução não é dar licença 007 para cada policial matar livremente, e sim aumentar o poder de investigação e solução de crimes da polícia, a velocidade de julgamento da justiça (respeitando o direito a defesa do acusado) e alterar o Código Penal por meio do Congresso para que seja mais dura com os criminosos. Sem apoio parlamentar, qualquer presidente não consegue sequer alterar o Estatuto do Desarmamento, quanto mais avançar nestas questões.

Em resumo: Jair Bolsonaro continua o mesmo militarista, nacionalista, estatista e antiliberal de sempre, e não será um ministro liberal que mudará isto. Pelo contrário: o risco de ser apenas outro Joaquim Levy subordinado a uma Dilma Rousseff de verde oliva é bem grande.

Entrevista completa:

 

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