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Por que a vinculação de gastos e o “10% do PIB” para a educação são péssimas ideias

O artigo 212 da Constituição Federal determina que a União gaste 18% da soma de suas receitas com “manutenção e desenvolvimento do ensino”. Os estados e municípios deverão gastar “nunca menos” do que 25% das respectivas receitas, aí incluídas as transferências. Tal mandamento legal precisa urgentemente ser revogado. Por dois motivos principais.

O primeiro é que qualquer vinculação orçamentária surte o efeito contrário ao desejado. Quando se manda o governante gastar pelo menos x, ele precisa inventar despesas além do convencional para conseguir atingir tal meta sob pena de ser punido por tribunais de contas e por ações no Judiciário.

Se eu sou governador, já tenho a estrutura normal para atender o ensino em meu estado e ainda assim o custo disso tudo atinge, digamos, 21% das minhas receitas, eu me verei obrigado a aceitar qualquer iniciativa para gastar os outros 4%. Como não encontrarei a tempo muitas boas iniciativas, a tendência será eu gastar em programas ruins como livros mal escritos sobre assuntos que em nada ajudam no ensino regular e só vão fazer gastar tempo de professores e estudantes.

Ou seja, a vinculação orçamentária age para piorar o ensino, pois nivela por baixo as políticas públicas para a educação ao obrigar o governante a misturar o bom e o ruim, dado que o bom sozinho não seria suficiente para preencher o mandamento constitucional. A vinculação, combinada com tetos legais para gasto com pessoal, não permite simplesmente aumentar o salário dos professores sem necessidade de “invenções”. É preciso gastar mal. A Constituição manda queimar dinheiro.

E o problema da vinculação orçamentária do ensino só piora, dado que a demografia indica que deveríamos gastar proporcionalmente menos e não mais recursos públicos em tal atividade. Eis o segundo problema, cujos números falam por si.

O ensino superior destina-se sobretudo a estudantes na faixa de 18 a 24 anos. Pode-se alegar que ainda poucos brasileiros têm diploma de terceiro grau proporcionalmente à população (11% entre os acima de 25 anos – 2012), e entre estes, pouquíssimos têm diploma de engenharia (5% contra 36% na China, por exemplo), mas já é patente o excesso de bacharéis em Direito e em Psicologia, para ficarmos em dois casos da área de Humanas, a que oferece mais vagas nas universidades estatais. Também é possível alegar que a qualidade do ensino seja ruim, embora o custo por aluno seja alto. Portanto, a qualidade dos cursos superiores no Brasil não está diretamente ligada ao dispêndio financeiro do governo.

Mesmo que o número atual de vagas seja mantido, a tendência é termos mais formados na educação superior em detrimento do ensino técnico, o qual agrega mais renda aos formados que diplomas de Humanas de terceiro grau, segundo dados do Senai. Basta olhar para os números do Censo 2010.

Naquele ano, havia 17.165.900 brasileiros na faixa de 10 a 14 anos, ou seja, estudantes que estão entrando agora nas universidades, quantidade semelhante à população total na faixa de 20 a 24 anos, que estava saindo dos cursos superiores. Na faixa de 5 a 9, que logo adiante será candidata massiva ao ingresso, havia então 14.968.616 indivíduos. Ou seja, até o final desta década teremos uma queda no número de estudantes potenciais para as universidades de 12% no espaço de tempo médio de formação de uma turma. Mesmo que não se gaste a mais, proporcionalmente teremos mais formandos em relação à população geral.

Nos estados, responsáveis pelo ensino médio, os 25% das receitas presos à educação fazem ainda menos sentido. A demanda reprimida pelo curso médio está praticamente zerada. Logo, todo esse esforço será direcionado para atender três anos de formação de estudantes.

Vejamos os números de Minas Gerais, um estado de renda e escolaridade médias em relação ao país. Em 2010, havia na faixa de 15 a 19 anos, então provavelmente cursando o ensino médio, 1.719.275 mineiros. Na faixa de 5 a 9 anos, que hoje começa a ingressar no ensino médio, 1.428.995. Estamos falando de uma demanda potencial 17% menor no espaço de meia geração. E outra queda aproximadamente no mesmo patamar está contratada para a próxima meia geração, resultado da diminuição persistente da taxa de natalidade, tal qual ocorre na maior parte do Brasil.

Notem como ficará mais dramático para o governo de Minas Gerais achar em que gastar 25% de todas as suas receitas para uma faixa tão diminuta de alunos. É claro que o estado pode ajudar seus municípios com o ensino fundamental, mas convém não o fazer com Belo Horizonte. A capital mineira, em 2010, tinha 171.491 indivíduos na faixa de 10 a 14 anos, teoricamente na segunda metade do ensino fundamental, a mais onerosa para o município. Naquele mesmo ano, a faixa dos belo-horizontinos de 0 a 4 anos, toda ela ingressando ou ingressada no ensino estatal obrigatório agora, tinha 133.211 indivíduos, uma perda de 22% na clientela a ser atendida pela mesma rede e estrutura.

Quer dizer, mantida a vinculação, gastar-se-á cada vez mais para atender cada vez menos alunos. Haja criatividade para torrar dinheiro que está faltando em outras áreas, algumas delas com demanda crescente justamente pela variável demográfica, como no caso da saúde, graças ao envelhecimento da população brasileira.

Há no Congresso Nacional diversas propostas de novas vinculações orçamentárias para Cultura, Segurança Pública, Forças Armadas e outras áreas, além de projetos para aumentar ainda mais as vinculações na educação e na saúde, como o “10% do PIB para a educação” e o “10% do PIB para a saúde”. Se depender da vontade de nossos parlamentares, talvez tenhamos 150% das receitas comprometidas com gastos obrigatórios e, por isso mesmo, de má qualidade. Hoje, no orçamento federal, 90% das despesas são vinculadas por leis diversas.

Não acredito que o governo Temer tenha força política para aprovar o fim da vinculação orçamentária ao ensino, mas pode propor o fim de toda e qualquer vinculação. Orçamentos engessados criam enormes dificuldades para administrar, demandam aumento da carga tributária (que precisa urgentemente ser diminuída para o país voltar a crescer) e apenas agravam os problemas das áreas eleitas para tal “benefício”.

De 1988 para cá, o Brasil mudou muito. O que não mudou foi a péssima qualidade de nossa educação, fazendo-me lembrar Fernando Henrique Cardoso num momento de sincericídio: “No meu governo universalizamos o acesso à escola, mas pra quê? O que se ensina ali é um desastre”. Pode-se gastar até mais com educação, desde que se tenha um bom projeto, desideologizado, baseado em vouchers em escolas, cursos técnicos e universidades privadas. O que não dá é para seguir enfiando uma montanha de dinheiro vinculado num projeto que evidentemente deu errado.

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