O Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, acaba de reconhecer a possibilidade de promover a elevação e a instituição de tributos temporários para recompor o caixa do estado, cujo resultado negativo foi amplamente divulgado nos veículos de comunicação nos últimos tempos. A opção pelo nome de Meirelles para compor o governo do presidente em exercício, Michel Temer, deriva da suposta preferência do mercado por uma pessoa com experiência política, capacidade técnica e orientação econômica mais conservadora.
O discurso de instituir um “imposto temporário” já desagradou aos setores produtivos e especuladores que não pretendem conviver com uma carga tributária ainda maior. O ministro falou em imposto “temporário” – cujo termo final e qualificador, até onde se sabe, é sinônimo de “provisório” – reascendendo, assim, o trauma dos brasileiros com a famigerada CPMF.
Vale relembrar que a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira) foi instituída pela Lei nº 9.311/1996 no governo de Fernando Henrique Cardoso, incidindo sobre transações financeiras intermediadas por bancos comerciais, de liquidação futura ou situações que revestissem natureza semelhante. O campo de incidência dessa contribuição era menor do que o “Imposto sobre Operações Financeiras” (IOF), mas a participação no cotidiano do brasileiro era maior, elevando a repulsa pela contribuição.
Constava da Lei nº 9.311/1996 que o produto da arrecadação CPMF seria destinado integralmente ao Fundo Nacional da Saúde. Entretanto, a aplicação dos recursos e a eficiência do gasto sempre foram questionadas.
Ademais, muito embora tal contribuição devesse perdurar pelo período de treze meses, não foi o que aconteceu. Entre emendas constitucionais e alterações na legislação ordinária, a CPMF acabou por aterrorizar a vida dos brasileiros durante o período de 1997 a 2007. De provisório, apenas o breve intervalo em que a contribuição deixou de ser cobrada naquele período.
O fato é que o ordenamento jurídico brasileiro – em especial as normas que regem as obrigações tributárias – não contempla previsões determinantes da possibilidade da instituição temporária de tributos com impedimentos de uma atuação legislativa futura em sentido contrário. Explicando melhor: a instituição ou a majoração de um tributo, ainda que provisoriamente, não condiciona a atuação de um legislador futuro que pretenda manter aquilo que deveria ser temporário. O legislador tudo pode em matéria tributária para definir o período de vigência de normas fiscais, por mais que o texto legal venha a definir uma mudança como temporária. A constatação e o trauma derivam da experiência.
De rigor, nenhum liberal defenderá a elevação de impostos ou a instituição de outros, uma vez que os existentes já são suficientemente prejudiciais ao exercício dos direitos de propriedade no desempenho de atividades econômicas. O governo, bem como parte dos economistas, acredita que não haverá outra solução. A amarga medida – elevação de tributos ou instituição de monstrinhos provisórios – pode ocorrer nos próximos dias. Mais uma frustração para os que lutam por um estado menos interventor.
Ainda assim é precioso destacar que a adoção isolada da majoração tributária ou da aventura do tributo temporário não satisfará as pretensões do novo Ministro da Fazenda de fortalecimento financeiro do estado, caso a adoção não seja acompanhada de outras alterações legais que impactem no ambiente de negócio.
Para tanto, as seguintes mudanças na estrutura institucional e normativa do Brasil poderiam resgatar certa credibilidade perante os investidores:
- Aumento das terceirizações: conforme apontado pelo próprio Meirelles, o Brasil deve alcançar em breve o nível de 14% de desemprego, razão pela qual a análise da viabilidade da terceirização das atividades fim das empresas deve ser reavaliada, permitindo a reinserção de pessoas no mercado de trabalho nos limites de contratos estabelecidos entre as partes. Vale lembrar a tramitação do Projeto de Lei nº 4.330/2004 – cujo texto original foi alterado de forma irresponsável e destrutiva dos propósitos originais da medida – que ainda pode tomar novos rumos se a discussão for devidamente apoiada pelo novo governo;
- A revisão dos procedimentos de fiscalização e aprovação da ANVISA: a Agência Nacional de Vigilância Sanitária foi criada por meio da Lei nº 9.782/1999 para “promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras” (vide artigo 6º). A atuação morosa dos processos de fiscalização e avaliação da autarquia acabam por intervir no dinamismo econômico de diversos setores agroindustriais, industriais e de inovação tecnológica. Desta feita, já que dificilmente o governo optará pela extinção da ANVISA, este deve ao menos adotar um plano de revisão de procedimentos que preze pela eficiência da instituição;
- O resgate do INPI: o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – criado por meio da Lei nº 5.648/1970 – tem a finalidade de regular as normas inerentes à propriedade industrial. O instituto foi abandonado nos últimos tempos, com processos de aprovação, análise de patentes e registro de marcas e desenhos industriais extremamente morosos. Dado que o órgão existe e não deve ser extinto, isso deve ser revisto para que haja maior agilidade nos processos que circulam pelo órgão;
- A criação de um novo tipo societário: a legislação civil brasileira admite algumas espécies societárias para o desenvolvimento de atividades empresariais. O tipo mais utilizado é o da sociedade por quotas de responsabilidade limitada (ou “sociedade limitada”) cuja responsabilidade dos sócios, em tese, está restrita ao valor das respectivas quotas, ainda que persista o vínculo de solidariedade entre os sócios pela integralização do capital social (Artigo 1052 do Código Civil). O fato preocupante é que juízes trabalhistas e tributários tradicionalmente desconsideram a personalidade jurídica nos litígios para atingir o patrimônio dos sócios, embutindo um risco ao planejamento de negócio e desestimulando o investimento. O governo deve criar um modelo societário que evite tal precipitação por parte dos juízes nas discussões levadas ao Poder Judiciário. A ideia de um modelo de “sociedade anônima simples” – sem o dever de cumprimento de exaustivos requisitos legais e submissão aos órgãos de fiscalização exigentes –, já patrocinada no passado, deveria voltar às pautas do novo governo;
- Simplificação das leis tributárias e revisão de procedimentos fiscais: a incrível quantidade de normas tributárias existentes no Brasil dificulta o trabalho de interpretação pelos profissionais do mercado, demandando um dispêndio excessivo e desnecessário para o atendimento das exigências do fisco. Medidas de simplificação e unificação da legislação existente (tais como PIS/PASEP e Cofins), bem como redução da burocracia permitiriam a construção de um ambiente mais promissor e menos arriscado de desenvolvimento de negócios. Complementarmente, as pessoas devem ter reconhecido o direito de deduzir do imposto de renda as despesas com saúde, educação e segurança privada. Um estado ineficiente não pode ostentar a indecência de manter tais vedações à dedutibilidade de despesas relevantes;
- A elaboração e aprovação do Estatuto do Contribuinte: um velho sonho dos especialistas em tributação poderia retomar a confiança e concretizar o postulado da segurança jurídica. O estatuto do contribuinte permitiria integrar no plano jurídico um conjunto de normas que estabeleceriam os direitos dos pagadores de impostos, os limites de atuação da administração tributária e a expressão objetiva do princípio da vedação ao confisco. Os países desenvolvidos já adotaram a medida e o Brasil continua a explorar os trabalhadores e empreendedores sem lhes resguardar mecanismos jurídicos claros de oposição às pretensões da fiscalização tributária;
No mais, o presidente em exercício deve sinalizar a intenção de reduzir tributos, eliminar a burocracia, utilizar excepcionalmente as Medidas Provisórias e abrir a mesa de negociações com blocos econômicos e entidades internacionais. O Mercosul há muito deixou de representar uma parceria promissora. A vinculação estrita aos países membros e o fechamento da economia para outras oportunidades deve ter um fim imediato.
As propostas ora apresentadas servem como um estímulo à análise de instituições e normas em vigor no Brasil, uma vez que as mudanças devem compor um projeto verdadeiro e sólido. Não há fórmula mágica para os acertos, mas a dos erros é evidente: elevar tributos, ainda que temporariamente, para encarecer a vida dos brasileiros e dificultar o acesso ao bem estar.
O presidente em exercício pediu que a população pare de falar em crise e comece a trabalhar. A recíproca não poderia ser mais verdadeira. O povo continuará a investir horas de suor e trabalho esperando que o governo faça o mesmo. A crise acontece para todos e só será temporária com o esforço conjunto e o fim da intervenção excessiva do estado na vida dos brasileiros.