O trecho abaixo foi redigido pelo economista desenvolvimentista Luis Carlos Bresser, que enxergava com bons olhos a economia brasileira em meados de 2012. No entanto, as previsões de economistas como ele mostraram-se infundadas: o Brasil, atualmente, vive uma de suas maiores crises econômicas:
“O Brasil ao retornar ao novo desenvolvimentismo, está voltando a se comportar como uma nação independente. Havia deixado de agir assim em 1991, porque vivia profunda crise, e porque a hegemonia neoliberal americana sobre todo o mundo era, então, quase irresistível. […] Como a crise financeira de 2008 demonstrou de maneira cabal, as políticas econômicas neoliberais não eram boas nem mesmo para os países ricos”
Apesar das inúmeras tentativas do governo de mascarar a crise com interpretações convenientes de dados e estatísticas levantadas por variadas instituições, a realidade não mente. A alta do dólar aliada ao fato de que o governo brasileiro, a partir de 2008, passou a utilizar bancos estatais como o BNDES como principal ferramenta de expansão do crédito, exercem atualmente forte pressão inflacionária principalmente sobre o preço dos alimentos e afetando (obviamente) a vida da população mais carente.
Aqui pretendo falar sobre os catalisadores da crise, ou seja, embora estes tenham servido para agravar a atual situação econômica, eles sozinhos não poderiam justificar o nosso cenário lamentável. Aliás, difícil afirmar que qualquer intervenção estatal sozinha seria capaz de causar um rombo de R$111 bilhões em 2015, sendo este o maior da história. A verdade é que não se chega a esta situação de um dia para o outro, mas por meio da soma de inúmeras políticas ruins que, por sua vez, acabam exigindo uma nova rodada de intervenções para corrigirem os resultados anteriores que, por sua vez, apenas pioram ainda mais o cenário econômico.
A grande pergunta que deve ser feita é: por que temos uma carga tributária tão elevada? Ela existe para financiar gastos públicos cada vez maiores. Por gastos públicos falo de despesas do governo federal com benefícios previdenciários, subsídios creditícios, assistência social e materiais de consumo. Como Marcos Mendes demonstra em seu livro ‘Por que o Brasil Cresce Pouco’, a partir de 1985, ano da redemocratização, ocorreu um aumento nos gastos públicos de forma muito acelerada. Só em 1986 a despesa já era 46% maior do que em 1980 e a tendência de crescimento se manteve durante as três décadas subsequentes, chegando a 2012 com um nível de gastos sete vezes maior que em 1980.
Na Constituição de 1988 surgiram certos preceitos jurídicos que estimularam a disputa de inúmeros grupos diferentes entre si na busca por um lugar de privilégios no ordenamento jurídico. Nessa briga, os membros da coletividade acabam pressionando um aumento dos gastos públicos a seu favor, financiados às custas do pagador de impostos brasileiro.
É o que acontece, por exemplo, com o seguinte preceito “É direito do trabalhador urbano e rural receber um salário mínimo, fixado em lei, “capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, com moradia, alimentação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.” (Art. 7º IV; Consolidação das Leis do Trabalho, art. 76). Preceitos como esse, embora adotem a aparência de norma jurídica, não possuem sua natureza, servindo apenas como expressões ideológicas de uma meta que se quer alcançar. No entanto, sua existência foi suficiente para fazer com que o salário mínimo no Brasil se elevasse acima da produtividade do trabalhador brasileiro.
O salário mínimo tinha um valor bem baixo em 1990, porém, isso não fazia diferença para as empresas, pois elas, em geral, já pagavam remunerações acima do mínimo legal. No entanto, após sucessivos aumentos – todos “concedidos” objetivando fins eleitoreiros, diga-se de passagem – o salário mínimo começou a ser um importante fardo para o setor privado, pois a contribuição produtiva do trabalhador passou a ser inferior ao valor de seu salário. O maior impacto da política de salário mínimo é sentido pela parcela mais pobre da população, pois as empresas passaram a restringir a contratação de mão-de-obra menos qualificada a fim de obter o máximo de produtividade possível de poucos trabalhadores mais qualificados. A consequência direta disso é o aumento do desemprego e do mercado informal, onde os “menos qualificados” receberão abaixo do mínimo legal e estarão alocados nos setores menos produtivos como diaristas ou camelôs.
Além disso, a Constituição de 1988 estabelece que “Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo” (Art. 201, §2º), em outras palavras: programas de assistência social definem o montante que será pago aos seus beneficiários de acordo com o salário mínimo, ou seja, todos os reajustes feitos no salário mínimo afetam também a despesa total do governo. Não é à toa que entre 2001 e 2014, o custo de pensões e aposentadorias passou de 19,9% para 22,7% das despesas, ou seja, a cada R$5 gastos pelo governo, R$1,13 vai para aposentados e pensionistas.
Maior disparate ainda é o fato de que apenas 980 mil servidores aposentados do judiciário, executivo e legislativo foram capazes de gerar um rombo de R$92,2 bilhões em 2015, ou que 300 mil aposentados e pensionistas ligados às Forças Armadas geram um rombo de R$24,5 bilhões por ano. No ano de 2015, o pagamento de aposentados e pensões na esfera da União demandou R$105,4 bilhões. As contribuições previdenciárias de R$12,6 bilhões daqueles que estão na ativa não cobrem esse valor. Essa diferença gerou um déficit de R$92,9 bilhões.
Como as despesas continuaram a aumentar desde 1980, o equilíbrio fiscal só poderia ser alcançado através do aumento das receitas. Por meio de produtividade? Não. De aumento na arrecadação. A literatura econômica mostra que a tributação elevada desestimula o investimento em novas tecnologias, dado o fato de que os ganhos são parcialmente “surrupiados” pelo governo. No final das contas, todos somos funcionários do governo: o brasileiro tem que trabalhar cinco meses para pagar impostos que visam sustentar uma casta privilegiada de nobres.
De acordo com levantamento feito pelo Banco Mundial, o Brasil gasta 2,6 mil horas por ano para lidar com procedimentos tributários. Para se ter uma noção, na Bolívia, gasta-se menos da metade do tempo consumido no Brasil. Mais recursos na mão do governo para financiar gastos cada vez maiores significam menos recursos na mão de indivíduos que poderiam utilizá-lo para financiar o crescimento de empresas, gerar riquezas e empregos.
Por fim, o Brasil está entre os países mais fechados do mundo para o comércio internacional. Se tomarmos os dados do Banco Mundial o índice de corrente do comércio do Brasil é o mais baixo entre 178 países. Em 2012, o Brasil estava entre os países mais fechados do G20, aplicando tarifas e adotando medidas protecionistas. Além de fazer com que empresas que dependam de insumos internacionais tenham custos de produção elevados (o que aumenta os preços), fechar o mercado diminui a competição interna e consequentemente desestimula as empresas de adaptarem seus processos produtivos a fim de se tornarem mais competitivas e eficientes. As empresas menos produtivas não fecham (pois ficam protegidas da concorrência) e, como consequência, retêm capital valioso que poderia ser usado por outras empresas mais qualificadas.
Nosso governo leviatã também tomou para si a tarefa de controlar o crescimento econômico no Brasil, criando políticas de campeões nacionais e de transferência de renda às avessas e fazendo com que o dinheiro dos mais pobres caia nas mãos dos mais ricos por meio de bancos estatais (BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica) e intermediação política.
Se nos próximos anos o governo se dedicar a fazer uma reforma tributária, enxugar a máquina pública, abrir a economia e desestatizar os “setores estratégicos”, poderemos ter uma boa chance de ver o país do futuro no presente. Caso contrário, permaneceremos estagnados como aquela promessa de sucesso que não decola.