Não é preciso ser um profundo conhecedor do mercado de produção cultural brasileiro para perceber que políticas públicas de “apoio” como aquelas desenvolvidas por órgãos como o Ministério da Cultura (MinC) não trazem nenhum bem à cultura de um país: na verdade, elas contribuem para a sua destruição em nome de uma agenda política estranha à maioria da população.
Digamos que você não saiba nada a respeito do assunto além de uma informação essencial: há pelo menos duas décadas, o estado brasileiro vem colocando em prática, na forma de uma inumerável quantidade de leis e políticas advindas dessas leis, uma estratégia global de “proteção e apoio” à atividade cultural no país, em suas diversas áreas (cinema, teatro, literatura, música, etc.). Para levar a cabo essas atividades intensamente regulamentadas, o estado brasileiro (em especial, o governo federal, que detém a maior parte do orçamento público) transferiu do bolso dos contribuintes em geral para o dos “artistas” em particular dezenas de bilhões de reais. Existem ainda hoje, em pleno funcionamento, programas e projetos que se sucedem para, dependendo quase que integralmente desses recursos (públicos), manter a cultura brasileira ativa e “protegida”, segundo o parâmetro estabelecido por aquelas políticas.
Informado a respeito desse ponto fundamental para compreender a questão de maneira mais ampla, você poderia responder seguramente se a cultura brasileira como valor foi beneficiada ou prejudicada após essas duas décadas? Os filmes, peças de teatro, livros, as artes plásticas, evoluíram e atingiram um estado de plenitude estética e refletem os anseios e valores da sociedade a qual deveriam supostamente representar? Afinal, a premissa inicial que supostamente justificaria todas as políticas culturais era a “proteção” da cultura do país, correto?
Vamos deixar tais perguntas ainda sem resposta e levar em conta mais uma informação que ajuda a formar juízo a respeito do problema. Independentemente da contribuição de tais políticas para a cultura como um valor, o fato é que a imensa quantidade de recursos disponibilizados para os “artistas” e produtores culturais ligados ao aparato que controla e divide as verbas públicas para a cultura ajudou a consolidar toda uma comunidade de ativistas profissionais, que hoje acaba por se confundir com a classe artística em si. São estes quem os governos e os políticos ouvem quando não sabem exatamente o que fazer assim que a realidade incômoda bate à porta e conduz a decisões difíceis, como na recente polêmica envolvendo a extinção ou não do próprio MinC.
Mais uma vez, não é preciso ser nenhum especialista na área para supor que essa comunidade não é a mais adequada para responder as perguntas difíceis relacionadas com o setor – entre elas, especialmente, a conveniência ou não para a sociedade em manter um setor aquecido quase que exclusivamente com dinheiro público.
Neste momento, o leitor que está acompanhando o texto e usando lógica elementar certamente chegou a conclusões parecidas com as do autor destas linhas. Vamos a elas.
Por mais de 20 anos, as políticas públicas para a cultura foram baseadas em regulação, subsídio e proteção, em variadas formas e modalidades. Na indústria cinematográfica, por exemplo, o tema recorrente e exclusivo é injetar recursos públicos no setor e retaliar o produto estrangeiro. Em outras áreas de produção artística, onde o “similar importado” não concorre de maneira direta com o produto nacional, a ideia é capitalizar os produtores organizados em sindicatos, coletivos e entidades “representativas de classe”, para que sua atividade prossiga indefinidamente, a despeito dos resultados atingidos (ou não).
A decorrência direta dessas políticas, defendidas violentamente pela comunidade de ativistas do setor e por seus camaradas atuantes na imprensa, foi tornar essa mesma comunidade inteiramente dependente da injeção de dinheiro público e da regulação. Os filmes não ficaram “melhores”, ao menos não na proporção exigida dada a quantidade de dinheiro investida no setor. A música brasileira tornou-se medíocre e crescentemente vulgarizada, distanciando-se visivelmente de seus momentos mais gloriosos no passado. A literatura é, salvo raras exceções, irrelevante. O povo não se tornou “mais culto” com os bilhões despejados na produção cultural. Não se consolidaram “leitores vorazes” entre nossas crianças e adolescentes. Não floresceram Mozarts e Yo-Yo Mas em nossas favelas. De fato, quase todos parecem perceber que o nível cultural dos brasileiros nunca esteve tão fragilizado, jamais a burrice pareceu imperar tão solidamente quanto agora.
Logo, a conclusão que se tira do raciocínio inteiro é que: ou as políticas públicas de apoio à cultura colocadas em prática não têm qualquer relação com a cultura como valor e, portanto, são inócuas, tornando os bilhões gastos com elas num desperdício acintoso; ou se tais políticas fazem alguma diferença, elas na verdade atrapalham, e deveriam ser extintas da mesma forma; se alguma política pública pode trazer algum benefício à cultura como valor, certamente não é nenhuma daquelas que tenham sido colocadas em prática por aqui nos últimos 20 anos, conforme os resultados (variando entre o medíocre e o desastroso) têm deixado claro.
É quando lembramos que a questão não se esgota em meros conflitos de utilidade ou conveniência. A subjugação que a comunidade de militantes faz da cultura de um país – notadamente dominando os órgãos públicos de regulação e apoio à cultura – não tem finalidades apenas econômicas, ou seja: ativistas não estão aí somente para viver de sua prática política. Eles pretendem também usar a cultura para modificar hábitos e valores de todo um povo. No caso brasileiro, especificamente – embora não exclusivamente – os artistas têm usado a cultura e, sobretudo, o “pretexto da cultura”, não apenas para viver dos subsídios, mas também para divulgar sua agenda política marxista, estatista, relativista e revolucionária.
Chegamos finalmente ao ponto em que estamos hoje, quando o governo cede à pressão dos militantes, mantém o MinC vivo e promete capitalizar ainda mais suas políticas, conforme desejo da comunidade artística, e esta, mesmo assim, não se desmobiliza, exigindo a cabeça do presidente em exercício, o mesmo que se mostrara submisso a seus caprichos e interesses.
Voltamos então ao início do texto. O leitor que nada sabia a respeito do assunto agora talvez já possa responder às questões fundamentais relacionadas, entre elas: é justo obrigar a sociedade como um todo a continuar financiando aquelas políticas? Tais políticas fazem bem ou mal à cultura como valor? Estão os artistas, os militantes e os burocratas da área trabalhando pelo bem comum ou por seus interesses de classe e, por tabela, pela revolução socialista? Vale, enfim, o pretexto de “proteção à cultura nacional” para justificar a existência do MinC? Ou estamos diante de um teatro, de uma encenação barata, de um circo onde os palhaços são os contribuintes, de um poema de verso torto, de um filme repetido, de um disco riscado, cuja hora de acabar finalmente chegou?