É constrangedor que três equipes de documentaristas estejam filmando a “versão” de Dilma Rousseff de sua trágica derrocada e defenestração do poder. Essa dócil submissão de cineastas aos políticos não é novidade nem privilégio do Brasil: na verdade, vivemos há anos uma fase no Cinema Nacional que deveria ser reconhecida, no futuro, como a fase do realismo socialista à brasileira, quando toda uma classe cinematográfica dobrou-se à agenda do partido (no caso, o PT e seus aliados) em troca de mais de um bilhão de reais por ano para promover desventuras audiovisuais que levaram toda a indústria a depender exclusivamente dessas verbas para continuar viva.
Longe de qualquer proeza estética do mesmo nível de Eisenstein, Riefenstahl, neorrealistas ou mesmo do maoísta Godard (todos a seu tempo submetidos à agenda política convertida em propaganda ideológica dentro dos próprios filmes), os cineastas brasileiros que se afogam no patético espetáculo do fim da era Dilma-Lula aderiram aos piores políticos que já alcançaram o poder por aqui, sem jamais pretender esconder que não estavam somente produzindo filmes ruins e caros com dinheiro dos pagadores de impostos: estavam fazendo proselitismo para petistas (então) poderosos e para a variada caravana de ONGs e “grupos sociais” que também se nutrem do dinheiro dos outros para alimentar sua “revolução” anticapitalista.
O vexame dessa classe cinematográfica não começou em Cannes, este ano, mas muito antes. Exemplos não faltam: estão em cenas como a que uma leitora fictícia da Veja (na época, o suprassumo do antipetismo na grande mídia) é retratada ridiculamente numa reunião de condomínio (“O Som ao Redor”, de 2012, filme do mesmo diretor recentemente agraciado pelo programa Fantástico da Rede Globo com o encerramento de sua edição de 28 de agosto); na adolescente que “esfrega na cara” de uma família “burguesa” a política de cotas (“Casa Grande”, de 2014); ou mesmo na própria voz de Lula que narra o desfecho de um filme com visão absolutamente distorcida a respeito do programa de “pacificação” das favelas cariocas (“Alemão”, de 2014); entre tantos outros.
Mas talvez ninguém tenha ido tão longe em sua adesão realista-socialista-petista quanto Anna Muylaert (uma das cineastas que agora acompanham o ocaso da Dilma “presidenta”) em seu “Que Horas Ela Volta?” (seria Dilma a “ela” do título?), de 2015, ao converter em heroína de espírito inquebrantável uma empregada doméstica cuja façanha final é trazer o neto do Nordeste “de avião”, a celebração definitiva da Era Lula da expansão artificial do crédito que, como se sabe, esfacelou-se no pesadelo fiscal do qual não sabemos ainda quando conseguiremos despertar.
É não só possível – como bastante provável – que nenhum novo título realista-socialista-petista em produção no momento tenha dinheiro dos pagadores de impostos envolvido. Não se pode, entretanto, permitir que tal detalhe seja usado contra os pagadores de impostos que, durante décadas, pagaram obrigatoriamente pelas estripulias desses mesmos cineastas que hoje correm atrás de Dilma e assinam desagravos à sua saída. Não se engane: os filmes brasileiros em geral são caros o suficiente para que tenha sido possível acumular uma “reserva estratégica” de modo que, por anos, os mesmos cineastas que fizeram filmes realistas-socialistas-petistas ainda possam filmar novos filmes realistas-socialistas-petistas com recursos “do próprio bolso”.
Se o círculo vicioso de dependência da indústria em relação ao dinheiro dos pagadores de impostos não for finalmente quebrado, esses cineastas continuarão por aí, cumprindo suas “obrigações políticas” por muito tempo.